quinta-feira, 16 de outubro de 2008

RESENHA: Horse Feathers - House With No Home

No disco House With No Home, o Horse Feathers faz um som pra music geeks ouvirem quando quiserem dar um rolê pelo campo sem perder o status intelectualóide contemporâneo. Sim, porque ao contrário de muitos de seus comparsas (Calexico, Iron & Wine, e o próprio M. Ward, que integra esta edição), seu som transcende ao feeling de folk americano. E a culpa disso vem por meio do dinamarquês Peter Broderick, que foi convidado pelo músico Justin Ringle, que compõe as canções, pra encaixar alguns arranjos requintados de cordas, colocando um cello aqui, um violino ali e uma eventual percussão leve.

O resultado são melodias harmoniosas, que embora carreguem um tom de neo-clássico e ambient music, não perdem o contato com as raízes folk e sempre acabam no fundo soando como musiquinha de cabana na beira da montanha.

A banda por muito deixa de lado os dedilhados focando a melodia apenas na seção de cordas, como em Curs of Weeds e Rude To Rile, onde o cello e o violino atuam criando todo o crescendo e clímax da canção.

Heathen's Kiss começa como uma balada drogada de Ryan Adams, pra depois receber um tratamento épico dos arranjos de Broderick. E o disco caminha assim até sua faixa final, Father, onde a irmà de Peter, Heather Broderick, aplica sua voz à harmonia casando de forma magistral com os vocais sussurrados de Ringle.

House With No Home deixa muitas coisas implícitas, pois além de sua cadência simplista folk ser carregada de uma erudição, culpa dos arranjos de cordas, os vocais de Justin Ringle acabam sendo por vezes indecifráveis. No entanto, vagarosamente essas dubiedades são deixadas de lado, restando apenas uma sensação catártica pra lá de relaxante.


quarta-feira, 15 de outubro de 2008

NADA DE PÓS-MODERNISMOS, POR FAVOR


Matthew Ward é um cara de trejeitos e preferências tradicionalistas. Suas músicas seguem sempre por trilhos cravados nas raízes do folk norte-americano, no country e no bluegrass. Na música e na literatura, seu gosto é quase todo restrito a coisas mais antigas, como as canções e os dedilhados de John Fahey, Django Reinhardt e Bob Dylan, e a poesia de Ezra Pound. “A literatura moderna é demais pra mim”, diz ele. “É muito presa à imagem do singular ou é muito pós-pós-moderna. Não consigo me envolver com isso”. O nome artístico, M. Ward, é, da mesma forma, um reflexo de seu gosto mais “antiquado”. “É um apelido de infância que resolvi adotar”, afirma.

Ao escrever a matéria, a música One Life Away de Ward começa a tocar, e é impossível não pensar nela como uma homenagem do compositor às rádios AM especializadas em tocar canções tradicionais. “Cresci ouvindo Johnny Cash e Hank Williams no rádio que meu pai ouvia todas as tardes” lembra ele. Mas foi só com 15 anos que o encanto com a música aflorou para uma coisa mais pessoal e íntima.

Acompanhando músicas dos Beatles, Ward aprendeu seus primeiros acordes. E, como ninguém, os Beatles eram especialistas em canções de amor, coisa que o compositor californiano sabe também fazer com maestria. Seu último disco, lançado em 2006 com o nome de Post-War, foi descrito pela revista Vanity Fair como um dos remédios para a “loucura da Guerra no Iraque”. Ward, por sua vez, se defende dizendo que são “basicamente canções de amor que seguem a linha das canções feitas nas décadas de 40 e 50, no período após a Segunda Guerra”.

Duet For Guitars #2 é seu primeiro disco, lançado em 1999. Dois anos depois, veio o aclamado End of Amnesia, disco que deu maior aparição para o músico na cena norte-americana e rendeu um contrato com a famosa gravadora indie Merge Records (a mesma de Arcade Fire e Spoon, por exemplo). O primeiro fruto foi dessa nova fase foi Transfiguration of Vincent, uma espécie de álbum conceitual, inspirado pela morte de um amigo próximo de Ward chamado Vincent O’Brien. O nome do disco também é uma homenagem, só que a um dos grandes ídolos do músico, John Fahey, que lançou em 1965 o disco Transfiguration of Blind Joe Death. O disco também marca um maior apuro na produção por parte de Ward, que agora conta com uma banda lhe fornecendo apoio. A principal faixa do disco, uma rendição a Let’s Dance de David Bowie, é como uma versão cheia de whiskey, cigarros e melancolia da dançante original do camaleão do rock, o que deu uma cara totalmente inusitada à melodia.

Depois vieram ainda Transistor Radio de 2005 e Post-War de 2006, outros dois ótimos discos de músicas que abordam seja com bom humor ou com tristeza a natureza precária e passageira da vida.

Atualmente, sua atenção está voltada a um novo projeto, mas que não deixa de lado as raízes dos ritmos tradicionais da canção americana. Com a gatíssima atriz Zooey Deschanel, Ward forma o She & Him, um projeto que se afasta um pouco mais do folk mais bluegrass porradão e traz composições de Zooey e algumas covers com uma roupagem suave e emocional, coisa que casa perfeitamente com a voz da mocinha.

Com os dois pés no folk tradicional e os dedos a criar os calos e hematomas que Woody Guthrie, Bob Dylan e David Crosby tiveram antes dele, Ward se mantém fiel ao que faz de melhor: canções simples, íntimas, que vão além do abstrato para criar uma universalidade aberta a interpretações de qualquer um que aprecie seu som. Quando senta em seu pequeno estúdio domiciliar, Ward liga seu antigo e predileto gravador de quatro canais e começa a trabalhar no que considera “seu compromisso com a música: experimentar sons, idéias musicais, letras que traduzam seus sentimentos de alguma forma que seja possível depois para qualquer um se identificar”.

NEO-FREAK-HIPPIE-TROPICAL-NATURALISTA-SEXO-PIADISTA: O MUNDO PSICODÉLICO DE DEVENDRA BANHART

Aos 27 anos, Devendra Banhart pode ser considerado um dos mais universais e contraditórios músicos que já tiveram sua plantação de erva particular. Com barba e cabelos longos, e um visual que remete ora aos xamãs da cultura hindu, ora a drag queens, Banhart, nascido em Houston, no Texas, já viveu na Venezuela e em Nova Iorque, e agora aprecia “dias de harmonia” com plantas, lagartos, sapos, e qualquer coisa que resolva dar as caras em Topanga Canyon, uma cidade ao norte da Califórnia. Numa casa de madeira e vidro, o compositor convive com seus parceiros de banda (e qualquer um que apareça por lá), numa espécie de comunidade digna de qualquer Naturalista.

Seu último disco, Smokey Rolls Down Thunder Canyon, foi inteiramente gravado dentro da casa, tudo fruto de muita dedicação – e inspiração – que resultava em jams ou improvisações depois usadas no produto final. “Eu não poderia ter feito esse disco em qualquer outro lugar”, diz Devendra, que finalmente parece ter encontrado um lugar perfeito para sossegar e ficar perto de sua namorada, a atriz Natalie Portman, que reside em Los Angeles. Afinal, não é qualquer lugar que detém a honra de um dia já ter servido de inspiração pra gente do escalão de Jim Morrisson, Neil Young e Woody Guthrie, os quais viveram ali. Young, inclusive, gravou seu clássico disco After The Gold Rush num chalé que pode ser visto da janela da casa de Banhart.

Estranho pensar que um dia, alguém como Devendra, que hoje vive dessa maneira, já foi um hipster fã de Velvet Underground, caminhando pelos subúrbios de Nova Iorque com jeans, jaqueta de couro e tênis converse rasgado. Com apenas 18 anos e alguns trocados no bolso, Banhart foi tentar a sorte pela Big Apple após assinar um contrato com a Young God Records, selo de Michael Gira (ex-líder da banda Swans), que até mesmo ofereceu um lugar para morar ao músico. A justificativa pra essa mudança não se resume apenas a sua paixão pelas letras de Lou Reed: “eu tinha essas opções: continuar na Starbucks em Houston, virar um sem-teto, ou ir para NY e ser um sem-teto, mas ao mesmo tempo ser um músico da Young God. A matemática é simples, não?” explica.­

O primeiro resultado dessa nova experiência foi o íntimo Oh Me, Oh My, lançado em 2002. Suas letras surrealistas e estilo de cantar arrastado e psicodélico, além da batida folk de seu violão sempre marcada por ritmos latinos, logo serviu para coloca-lo dentro de um movimento em ascensão chamado Freak Folk, ou também New Weird America. Nos discos seguintes, Rejoicing In The Hands e Niño Rojo, ambos de 2004, e Cripple Crow, de 2005, as composições gradualmente foram ganhando mais elementos, recebendo uma produção mais apurada e instrumentação variada, o que rendeu ao músico cada vez mais destaque entre público e crítica.

Da mesma forma que a popularidade de Devendra ia crescendo, da mesma forma ia crescendo sua psicodelia, irreverência e universalidade. A aparência e a performance acabaram se tornando elementos importantíssimos na persona de Banhart, que adotou de vez o visual hinduísta (desde pequeno, seus pais os apresentaram à religiosidade oriental) e passou a explorar de vez uma latinidade surreal que o colocavam de encontro com o movimento tropicalista brasileiro. O compositor é, aliás, um grande fã de Gilberto Gil, Mutantes e Caetano Velloso. Durante seu show no Rio de Janeiro, em 2006, Devendra quase entrou em pânico ao saber que Caetano assistia a apresentação. Ao final, quando o brasileiro elogiou sem reservas sua performance, Banhart admite ter se sentido “melhor que nunca na vida”.

Seu lado irreverente está mais evidente que nunca agora, nas vésperas do lançamento do disco Surfing de seu projeto paralelo, o Megapuss. Junto a Greg Rogove (da banda Priestbird), Devendra chamou outros amigos como Fabrizio Moretti (Strokes/Little Joy), Rodrigo Amarante (Los Hermanos/Little Joy), o comediante Aziz Ansari e seu produtor Noah Gorgeson, para explorar seu lado “pop”. A arte do disco de estréia traz a dupla cabeça da banda pelados nas fotos. Se isso já não bastasse, os nomes de algumas das músicas são coisas do tipo “Duck People, Duck Man”, “Crop Circle Jerk 94” e “Chicken Tits”.

E o Megapuss já encontra-se em turnê pela terra de titio Obama fazendo suas peripécias músico-sexuais enquanto o disco, que sai dia 4 de novembro, não dá as caras. E com certeza não vão faltar pintos, já que além do show dos caras ter fotos dos mesmos pelados projetadas ao fundo do palco, Devendra usa uma saia feita com pintos de borracha. Pra quem é digno de tantos rótulos, só faltava isso, uma coisa meio neo-pornô.