quinta-feira, 28 de agosto de 2008

LIAR, LIAR, LIAR

Num mundo feito o do indie rock, cheio de chatices, cinismos, artisticismos, jocosidades e um certo excesso de auto-confiança mascarada numa pose de outcast, temos dois tipos de bandas em especial (que depois acabam se subdividindo em outros infinitésimos grupos, mas isso é papo pra outro momento): as que encontram uma maneira confortável de composição e se apegam a ela, numa espécie de identidade bem-conquistada, e também aquelas incansáveis que buscam se reinventar e surpreender sempre que podem. Mesmo que a surpresa que causem seja uma lata de lixo na cabeça do ouvinte.

O Liars, trio formado em New York mas com o coração em Berlin, é do tipo que arrisca a segunda opção. Não é fácil fazer música como eles, mesmo que as vezes os sons que produzem não se originem de nenhuma nota musical definida ou harmonia deliberada. Ao longo de seus quatro LPs, é difícil estabelecer um cordão que os ligue e crie uma unidade, uma carteira de identidade que diga: nós somos o Liars de Brooklyn, NY e fazemos um som X. Para o australiano Angus Andrew (vocais, guitarras e synths), o nova-iorquino Julian Gross (baterias, tape-loops) e o californiano Aaron Hemphill (guitarra, percussão, efeitos), a falsidade ideológica (por assim dizer) é o mais confortável.

As origens do trio remetem à cena underground nova-iorquina do revival pós-punk. O ano de lançamento do seu primeiro LP, They Threw Us All In A Trench And Stuck A Monument On Top, 2002, é o mesmo ano em que começaram a dar as caras bandas como o Rapture, Strokes, Yeah Yeah Yeahs, !!!, Out Hud, etc. Essa inserção da banda numa cena como essa se reflete no som do disco, que se concentra nas linhas de baixo e no ritmo, dando um feel dance-punk e que estabelece facilmente um paralelo ao som do Out Hud, por exemplo. Em retrospecto, Angus considera They Threw... como uma experiência de ingenuidade, mas válida. "Serviu como um catalisador para nosso próximo álbum (They Were Wrong...), quando nós realmente nos dedicamos e colocamos nossa cabeça no que estavamos fazendo. They Threw... foi puramente um exercício de energia", lembra Angus, que passou apenas dois dias no estúdio com a banda para a gravação do primeiro LP.

A receptividade da crítica e do público era satisfatória e a banda começava a ganhar certa notoriedade no indie rock norte-americano. Mas, a ânsia por nonas sonoridades e o amudurecimento natural do trio levou aos primeiros experimentos com percussão pesada e texturas sônicas, como evidencia o Split EP com a banda Oneida, Atheists, Reconsider, de 2003. Neste mesmo ano, acompanhados do visionário Dave Sitek (TV On The Radio), o Liars se enfiou por dois meses numa floresta em New Jersey, próximo ao monte de Brocken, onde são famosas as histórias envolvendo o folclore de bruxas e feitiçaria. O resultado foi They Were Wrong, So We Drowned, um álbum com instrumentação pouco tradicional, riqueza em texturas e batidas sampleadas, e as características harmonias sonoras de Sitek. As letras surreais e místicas de Angus deram ao disco mais que um aspecto conceitual, mas uma verdadeira história contada através das músicas. Essa completa mudança tanto sonora quanto lírica, assustou os críticos num primeiro momento, e They Were Wrong... acabou recebendo notas mínimas de revistas respeitadas como a Spin e a Rolling Stone. No entanto, o álbum acabou se tornando uma jóia perdida e hoje costuma ser constantemente lembrado como um dos discos essenciais para se entender o rock de vanguarda, como evidencia sua inclusão no livro 1001 Discos Para se Ouvir Antes de Morrer e sua presença na lista dos 100 melhores álbuns da primeira metáde da década da revista Pitchforkmedia.

O passo arriscado acabou se estendendo mais um pouco, quando o Liars decidiu se mudar para Berlin e começar a trabalhar no seu próximo disco. Aproveitando-se do clima sombrio e culturalmente efervescente da capital alemã, a banda se alocou em um estúdio antigo da parte leste da cidade, onde os vários ambientes e equipamentos de gravação ofereciam um riquíssimo aparato para Angus, Andrew e Justin explorarem seus experimentalismos com acústica, reverbs, texturas e ritmos atmosféricos. O resultado foi Drum's Not Dead, uma obra-prima com quês de Krautrock, mas que ainda mantinha uma fina relação com os percussionismos obscuros de They Were Wrong... Certamente, o disco anterior marcou a mudança de direção que iria guiar o Liars para as belezas etéreas de Drum's... onde mais uma vez uma história é contada, e nesse caso as bruxas dão lugar a Drum e Mt. Heart Attack, dois personagens que simbolizam a confiança e a covardia, respectivamente.

Drum's... reflete principalmente a relutância da banda em ceder aos críticos, criando outra vez um disco completamente experimental mas que inova ao unir elementos multi-culturalistas (e aí entra a grande influência do ambiente de Berlin) ao som no-wave tribal que They Were Wrong... inaugurou. Este é um disco que recompensa o ouvinte mais insistente, e de certo não é o cartão de visitas adequado para quem quer conhecer a banda. É obviamente o caso de quem ri por último ri melhor, já que Drum's... foi aclamado pela crítica e seus experimentalismos sonoros marcam uma nova vitória da originalidade e do triunfo de quem não teme em arriscar.

De volta aos EUA, a banda se reloca em Los Angeles, e após longas turnês (abrindo pra big shots, como o Radiohead, por exemplo) o quarto álbum começa a ser elaborado. O simplesmente entitulado Liars surpreende novamente, mas desta vez por não seguir a linha experimentalista de soundscapes e texturas, mas por trazer de volta às guitarras e uma estrutura de composição mais tradicional. O título simples, homônimo à banda, talvez seja reflexto desse retorno às raízes do rock'n roll. Angus brinca ao dizer "quem imaginaria que eu um dia ia tocar um solo de guitarra?" e, de fato, pra quem ouve Plaster Casts Off Everything, faixa de abertura do disco, depois de tudo que o Liars já produziu, é certamente uma grande surpresa. Mais direta e crua, ela representa bem o feel punk-noise deste álbum, que de alguma forma os enlaça com a cena local de LA, representada por bandas como o No Age, reconhecidas por esse som direto mas cheio de barulho.

E agora, qual será a próxima surpresa que esses mentirosos preparam para os ouvintes? Atualmente em turnê com o Radiohead pela segunda vez, talvez possamos até esperar por um toque Thom Yorkiano no disco seguinte, um eletronicismo quem sabe. No entanto, é quase impossível esperar algo consciente de uma banda em que o seu principal guitarrista já gravou uma música inteira riscando as cordas de sua guitarra com canetinhas hidrocor.



LIARS - Drum's Not Dead (baixe aqui)

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

FUZZY LOGIC

Estranho mas amigável: mais ou menos assim, pitoresco como sua aparência, que Bradford Cox conquista cada vez mais fãs. Líder e cabeça criativa da banda Deerhunter de Atlanta, Estados Unidos, Cox é um cara extremamente querido entre os "comparsas" do circuito underground norte-americano. Seu som, denso e esquisito mas ao mesmo tempo carismático (e com um certo feel pop) é de certa forma um reflexo dessa personalidade aliada a sua condição física.

Experimente ouvir Cryptogams, o sophomore album dos caras, que começa com uma erupção de efeitos sampleados, delicados - apesar de confusos - soundscapes que beiram o ambient "brian-enoesco", e ainda alguns loops oriundos de um sintetizador timidamente retrô. Tudo capitaneando essa espécie de espaçonave rumo a um "punk do futuro", que se concretiza com a entorpecente (e um tanto pós-apocaliptica) Cryptogams, faixa título. Não é música comum, pop, como a gente tá acostumado a ouvir. São sonoridades densas, confusas, originais, mas que de alguma forma conseguem envolver e cativar de um jeito amigável. Uma (como os acadêmicos adoram dizer) quebra de paradigmas, sem dúvida: é como se a lógica da aproximação fosse o estranhamento.

O Deerhunter possui cinco membros e tem apenas quatro anos de existência, apesar disso já foram lançados dois LPs (Turn It Up Faggot e Cryptogams) e um EP (Fosforecent Grey). Em outubro sairá o (já muitíssimo) esperado Microcastle, que já está rolando pela internet há um certo tempo. Se já não bastasse tanta produção musical a frente da banda, Bradford Cox também possui um projeto paralelo muito bem sucedido, o Atlas Sound, que faz um som mais calmo e atmosférico que o Deerhunter. Seu LP de estréia com a alcunha saiu no início do ano e alcançou ampla aclamação entre a crítica especializada, sendo apontado desde já como um dos favoritos a melhor disco do ano.

Cox é portador de uma doença chamada síndrome de Marfan (a mesma que possuía Joey Ramone). Sua patologia lhe deu problemas cardíacos, respiratórios, além de extremidades alongadas e altura e magreza excessivas. Pra piorar um pouco mais, Cox tem periodicamente ataques de pânico, algumas vezes sobre o palco, o que já levou muitos shows da banda a terminarem antes da hora. Muitos de seus problemas de saúde refletem nas canções da banda, apesar do toque pessoal ser mais presente em seu trabalho no Atlas Sound.

Ao vivo, Cox abusa da irreverência, procurando sempre se aproximar do público batendo um papo entre as musicas, chegando mais perto da galera, e abusando de performances bizarras vestido com roupas de mulher. Auto-rotulada como uma banda de "ambient punk", o Deerhunter abusa do uso de reverbs e sobreposição de camadas de som de guitarra, uma marca da forte influência do shoegaze no som.

O novo disco, Microcastle, explicita um grande amadurecimento em matéria de "composição" para Cox, com músicas mais tradicionalmente estruturadas e que mantém de forma marcante a identidade e o pulso experimental da banda. De acordo com o criativo compositor, em Microcastle a banda irá de Everly Brothers e doo wop a My Bloddy Valentine e Sonic Youth. Se depender das maravilhosas Twilight at Carbon Lake e Agoraphobia, provavelmente será difícil desmenti-lo.

Microcastle sai nos EUA no dia 26 de outubro. Para mais informações sobre a banda acesse o My Space (www.myspace.com/deerhunter) ou o blog de Bradford Cox (ww.deerhuntertheband.blogspot.com).

domingo, 10 de agosto de 2008

ABE VIGODA

Vocês, amiguinhos frequentadores deste blog, sentiram minha falta? Pois é, uma semanita na Argentina e mais outra com trotes e a volta à rotina universitária me deixaram ausente deste esbaço cibernético onde a boa música se encontra com textos ridículos e prolixos (momento emo-auto-crítica-me passando por coitado cinicamente).

Pra quem não sabe, ontem foi minha estréia nas pick-ups do Blues Velvet e o set foi um sucesso entre a galerë (ok, a maioria eram amigos meus hohoho) e o DJ Andrew Getty deve virar um nome tradicional da casa nos dias que seguem.

Ok, vamos ao que interessa. Hoje trago pra vocês uma banda californiana de Los Angeles, mais precisamente da cena noise/no wave do clube The Smell (de onde saiu No Age, Health, The Mae Shi, Mika Miko e outras 500 bandinhas malucas).


Se você não está familiarizado com nenhum desses nomes não se preocupe, este é o momento para se deixar levar pela levada maluca desse quarteto que de certa forma se distingue um pouco do som ultra-distorcido dos seus companheiros de cena.

O Abe Vigoda faz um som rápido e direto, abusando de batidas sincopadas e de ritmo, e sobre isso vem uma camada meio psicodélica de guitarras com os agudos no alto. Esse som maluco foi apelidado por alguns críticos como "tropical punk".

Skeleton é o primeiro álbum da banda e foi lançado em junho com boa recepção da crítica. Não é um disco fácil para ouvintes desacostumados com o underground de L.A., mas uma insistência no disco leva a uma boa recompensa, com o som dos caras a se revelar bastante catártico e expansivo.

Atualmente a banda está em sua primeira turnê por todos os EUA com o No Age e o High Places.

experimente aqui